O presidente do Senado, Renan Calheiros
(PMDB-AL), mirou em juízes e procuradores, mas pode acabar atingindo seus
próprios colegas. Em meio à discussão sobre a legalidade do pagamento de
supersalários nos três Poderes que superam o teto constitucional de R$ 33,7 mil
mensais, levantamento do GLOBO mostra que ao menos dez senadores acumulam
proventos, recebendo vencimentos bem acima deste valor. Estão neste grupo
Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), Edison Lobão (PMDB-MA), Garibaldi Alves
(PMDB-RN), João Alberto (PMDB-MA), Jorge Viana (PT-AC), José Agripino (DEM-RN),
José Maranhão (PMDB-PB), Otto Alencar (PSD-BA), Roberto Requião (PMDB-PR), e
Valdir Raupp (PMDB-RO).
O fato de receber acima do teto,
inclusive, levou Otto Alencar a abrir mão da presidência da Comissão do
Extrateto, criada por Renan, para coibir os supersalários. O senador baiano
preferiu não informar o valor total de seus vencimentos. Contou apenas que é
aposentado como servidor público estadual e que, por sua condição, e para não
ficar constrangido na presidência da comissão, pediu a Renan que indicasse
outro senador para o cargo.
Entre os que informaram seus proventos,
o valor da remuneração total bruta varia entre R$ 52,7 mil a R$ 67,5 mil. A
concessão de aposentadorias a ex-governadores vem sendo discutida há anos no
Supremo Tribunal Federal. Os estados agem no vácuo de uma regra federal. Até
1988, os ex-presidentes da República tinham direito ao recebimento de uma
aposentadoria. Os governos estaduais então, replicavam o benefício para os chefes
do poder local. A Constituição de 1988 acabou com a aposentadoria para os
presidentes, mas não proibiu explicitamente a concessão da pensão aos
governadores.
AUTONOMIA PARA GASTAR
Alguns estados suspenderam, então, a
regalia a partir de 1989, quando refeitas as constituições estaduais. Outros
simplesmente ignoraram as mudanças, mantendo o benefício ou, ainda, criaram a
aposentadoria ao longo das últimas duas décadas, casos mais recentes do Acre e
da Bahia. O entendimento dos estados é que eles têm “autonomia” pela
Constituição para decidirem o que quiserem.
Os senadores Antônio Carlos Valadares e
José Agripino justificaram sua condição afirmando que obtiveram as
aposentadorias antes da Constituição de 1988. Ambos alegam ter direito
adquirido. Garibaldi afirmou que sua aposentadoria é do período em que foi
deputado estadual, entre 1971 e 1985, situação também anterior à mudança da
regra constitucional.
— Esta questão está judicializada. A
Justiça não decidiu e estou no aguardo de uma manifestação sobre o acúmulo de
proventos. Minha pensão está respaldada pela Constituição de 1967. A
Constituição de 1988 mudou a regra, mas a perda do direito não retroage — disse
Agripino.
Valadares encaminhou ao GLOBO decisão
do Tribunal Regional da 5° Região de 2012 que julgou legal o recebimento de sua
aposentadoria. A situação é diferente nos casos de Jorge Viana e Roberto
Requião. No Acre, estado governado há 17 anos pelo PT, a lei que garantia a
aposentadoria a governadores foi revogada antes dos irmãos Jorge e Tião Viana
chegarem ao poder. Mas assim que assumiu, em 1999, Jorge Viana ressuscitou a
aposentadoria especial e hoje se beneficia dela.
— Não vou me manifestar sobre essa
questão. Está dentro da lei e enquanto estiver dentro da lei, eu vou continuar
recebendo — reagiu.
O Paraná chegou a suspender o pagamento
das pensões em 2011, mas por decisão da Justiça, retomou em 2014. Requião,
então, cobrou judicialmente os recursos do período em que não recebeu sua
aposentadoria. Em novembro de 2014, ganhou R$ 452,6 mil retroativos aos 16
meses que teve o benefício suspenso.
Requião disse que não abriu mão do
benefício porque precisa do recursos para pagar as indenizações a que é
condenado. O peemedebista afirma concordar com uma regra em que seja
obrigatório o respeito ao teto para todos.
— Eu e todos os ex-governadores do
Paraná recebemos uma verba de representação. Sempre fui contra isso, mas sofro
um achaque do Judiciário por condenações, penas pecuniárias, então recebo em
legítima defesa. Já paguei mais de R$ 2 milhões de multa de indenização, porque
chamei ladrão de ladrão. Mas acho que deveria acabar para todos. É uma boa
oportunidade para rever isso — disse Requião.
Outros dois senadores fazem por conta
própria o abate teto: Cristovam Buarque (PPS-DF) e Jader Barbalho (PMDB-PA). O
peemedebista suspendeu o recebimento da aposentadoria como ex-governador
enquanto estiver no exercício do mandato de senador. Já Cristovam optou pela
aposentadoria de professor da Universidade de Brasília (UnB), de R$ 23,1 mil.
Ele recebe complementação do Senado referente à diferença até seu salário total
chegar ao teto de R$ 33,7 mil.
EX-GOVERNADORES NO TETO
Segundo o levantamento do GLOBO, outros
seis senadores não acumulam salários porque as legislações locais proíbem. No
Amazonas, onde há dois senadores que são ex-governadores, Eduardo Braga e Omar
Aziz, a lei estadual impede o acúmulo de proventos. Braga e Aziz só terão
direito à aposentadoria quando não tiverem mandato. Em Minas Gerais, Amapá e
Ceará, as leis que permitiam o recebimento de pensões foram extintas nos
últimos anos. Com isso, Aécio Neves (PSDB), Antônio Anastasia (PSDB), João
Capiberibe (PSB) e Tasso Jereissati (PSDB) não recebem nenhum tipo de
benefício.
Outros três senadores que governaram
seus estados, Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), Ivo Cassol (PP-RO), e Fernando
Collor (PTC-AL) não responderam à reportagem.
Em 2009, o Tribunal de Contas da União
publicou um acórdão pedindo ao Congresso que buscasse uma forma de se enquadrar
no teto do funcionalismo , tentando evitar a soma de salários de deputados e
senadores acima deste patamar. No entanto, o acórdão nunca foi cumprido porque
o Senado alegava que não há como instituir um teto nacional, já que União,
estados e municípios têm orçamentos e folhas de pagamento independentes.
Em 2013, o Senado flexibilizou esse
entendimento. Renan decidiu cortar os salários de servidores que ganhassem
acima do teto. Com isso, todos os funcionários do Senado, quando contratados,
recebem uma declaração a ser preenchida: se recebem outros vencimentos e se têm
alguma condenação. Esta declaração serve como base para o abate teto e deve ser
refeita anualmente. Ela não se aplica, no entanto, aos senadores, que não
precisam prestar essas informações.