Os erros das homenagens no Dia Internacional da Mulher
Flores,
chocolates e mensagens são presentes inofensivos. Mas, oferecidos sem
reflexão, reforçam um ideal que destoa do real objetivo da data: a busca
pela igualdade
A história se repete todo ano. No Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março, a oferta de bombons, rosas vermelhas, perfumes e outros presentes considerados “femininos” aumenta consideravelmente. Porém, mais do que uma data comercial, o Dia Internacional da Mulher nasceu como um protesto contra a opressão feminina, proposto em 1910 por Clara Zétkin e Rosa de Luxemburgo, na 2ª Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, em Copenhague.
A data representa a luta das mulheres
por igualdade social, política e no mercado de trabalho, mas acabou
sendo comercializada e banalizada. Muitas vezes, as propagandas
veiculadas nesse dia acabam sendo extremamente depreciativas e abafam a
discussão da desigualdade de gêneros”, atenta Lourdes Bandeira,
socióloga da Universidade de Brasília e Secretária-Executiva da
Secretaria de Política para as Mulheres.
Gentileza ou machismo?
A linha que separa o que é gentil do que
é machista nas homenagens no Dia Internacional da Mulher se torna tênue
à medida em que muitas das mensagens e presentes direcionados às
mulheres acabam reforçando estereótipos ou comemorando uma situação de
igualdade e empoderamento que, na realidade, ainda não existe por
completo.
“A gentileza, a delicadeza e a
generosidade podem acontecer a qualquer momento, não necessariamente dia
8 de março e não só para as mulheres, mas isso não pode tomar o lugar
da discussão de que ainda temos muitas reivindicações pela frente. Não
são atos negativos, exceto quando nos discriminam e reforçam um padrão
único de mulher”, completa Lourdes Bandeira.
Exemplos de discriminação e sugestões de
presentes que passam longe da gentileza são, por exemplo, as homenagens
que tentam enaltecer qualidades tidas como obrigatoriamente femininas:
delicadeza, esmero, beleza, fragilidade, vaidade, entre outras, que
acabam padronizando as mulheres dentro de um ideal que precisa ser
quebrado.
“Mesmo sem maldade, a pessoa pode acabar
contribuindo para esvaziar o sentido da data. É importante retomar a
importância da luta pelos nossos direitos, justamente para conscientizar
as pessoas de que ela não existe para dar flores e presentes, nem para
homenagear a beleza e a feminilidade”, acredita Aline Valek, escritora e
feminista.
Rosas, chocolates e perfumes, por
exemplo, são apenas presentes e não precisam ser encarados como atitudes
machistas, mas não estão isentos da culpa. “Na verdade, o presente é um
ato inconsequente. Não vou recusar rosas e chocolates, mas a questão é
que sempre caem no clichê de nos parabenizar por sermos mulheres. Nas
propagandas, a nossa luta se resume a encontrar a chave no meio da
bolsa, a suportar a TPM e andar de salto alto”, afirma Lola Aronovich.
No fundo, os presentes e homenagens
carregam uma intenção subjetiva. “Ao dar uma escova de cabelos, por
exemplo, você está colocando a mulher em um estereótipo: a mulher
feminina precisa ter o cabelo bem cuidado”, ilustra Lourdes Bandeira.
Segundo ela, vale ainda outro exemplo, o de presentear a mulher com
eletrodomésticos. “Remete ao estereótipo da dona de casa”, completa.
Fica ainda pior quando a tentativa das propagandas ou mensagens é
colocar a mulher no papel de heroína: mesmo sendo bem-sucedida
profissionalmente, ela não deve “deixar de lado os cuidados com a casa,
família e beleza”.
Celebrar e lutar
Aos poucos, alguns aspectos da
desigualdade entre mulheres e homens vão sendo desconstruídos para dar
lugar a uma sociedade com mais oportunidades e direitos iguais. O Dia
Internacional da Mulher representa a luta por essa desconstrução, que
não acontece em apenas um dia do ano, e sim ao longo dele. É uma data
para recordar que ainda existe um longo caminho pela frente, mas também
para celebrar as conquistas adquiridas até então.
Embora existam conquistas e avanços para
comemorar, muitas coisas ainda precisam mudar para que o 8 de março
seja, exclusivamente, um dia de celebração. Uma delas, de extrema
urgência, é o feminicídio – pelo menos 15 mulheres são mortas por dia no
Brasil vítimas de companheiros ou ex-companheiros, de acordo com os
dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplica.
“Ainda estamos numa situação péssima,
ganhamos salários inferiores em relação aos homens, na mesma profissão e
com o mesmo grau de escolaridade, fora outras situações de
desigualdade. Por isso, é importante que seja um dia de reivindicações,
para exigir que nossos direitos sejam respeitados”, ressalta Lola
Aronovich, professora universitária e ativista feminista.
“Nós precisamos discutir todos os dias a
violência, a diferença salarial, por que a mídia ainda nos estereotipa,
porque a sensualização e a objetificação sempre nos atinge e nos
desqualifica. Nesse dia, discussão deve ter ainda mais força”, alerta
Lourdes Bandeira. O que percebo, felizmente, é que está havendo uma
melhora, independente da condição socioeconômica das mulheres. Elas
estão se engajando cada vez mais para derrubar essa cultura
completamente desqualificadora”, completa.