Já está ficando monótono. Os partidos patrimonialistas do centrão submeteram Jair Bolsonaro a uma nova derrota no Congresso. Dessa vez, o revés ocorreu na comissão especial incumbida de votar a medida provisória editada pelo capitão no início do governo, para reorganizar os ministérios. Não foi uma derrota qualquer, mas uma humilhação: 4 X 0, fora os dribles desconcertantes. Bolsonaro, como de hábito, ficou irritado. O centrão, como de costume, ficou com tudo. O Planalto corre para tentar reverter a surra no plenário da Câmara.
Novamente, juntaram-se a fome fisiológica do centrão com a vontade da oposição de engolir o governo. No pedaço mais constrangedor da sessão, mastigou-se a prioridade de Sergio Moro. O Coaf, órgão que fareja movimentos bancários suspeitos, foi arrancado da pasta da Justiça e devolvido ao Ministério da Economia. Como juiz da Lava Jato, Moro comandava os autos e mandava prender. O centrão esclareceu que, como ministro, Moro está sujeito à condição humana. Um a zero.
Noutro lance desconcertante, o centrão atendeu a uma demanda do petismo para restabelecer a lógica no setor indígena. Bolsonaro havia transferido a tarefa de demarcar terras indígenas da Funai para a pasta da Agricultura. Foi como se incumbisse as raposas de zelar pela integridade do galinheiro. Com os votos do centrão, as terras indígenas retornaram para a Funai.
Nesse ponto, a humilhação teve um sentido didático. Ainda na fase de transição, antes da posse, Bolsonaro informara que seu governo obteria estabilidade no Legislativo escorando-se nas bancadas temáticas, não nos partidos. Os partidos do centrão esclarecem na prática que, nas barricadas legislativas, mesmo a frente parlamentar do Agronegócio, a maior do Congresso, não consegue substituir as legendas e seus comandantes. Dois a zero.
O constrangimento tornou-se escancarado no instante em que foi a voto uma emenda com cara de jabuti. O autor é o senador Eduardo Braga, do MDB. Proíbe auditores da Receita de investigar crimes que não sejam tributários —corrupção e lavagem de dinheiro, por exemplo. Alvo da Lava Jato, o relator Fernando Bezerra, também do MDB, empurrou o jabuti gostosamente para dentro do texto da medida provisória.
Antes da votação, o senador Major Olímpio, líder do PSL, o partido de Bolsonaro, alardeou que o cerceamento das atribuições dos auditores do Fisco não interessa ao governo. E o relator Fernando Bezerra, que exerce no Senado a atribuição de líder do governo, deu de ombros. O jabuti foi aprovado. Três a zero.
Por último, o centrão marcou algo muito parecido com um gol de placa. Bolsonaro negociara com os presidentes da da Câmara e do Senado —Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre— o desmembramento do Ministério do Desenvolvimento Regional, para a recriação de duas pastas: Cidades e Integração Nacional. A ideia é que os guichês fossem entregues ao PP, centro-avante do centrão, e ao MDB do relator Bezerra.
Maia e Alcolumbre convenceram Bolsonaro de que era melhor ceder os anéis, para preservar os dedos do Coaf, da Funai e, no limite, o polegar da autoridade presidencial. A novidade foi aprovada. Excluído da reunião realizada no gabinete presidencial, o centrão ficou com os anéis. E arrancou os dedos. Quatro a zero.
Depois do vexame da comissão, o governo terá de encarar a votação da medida provisória nos plenários da Câmara e, na sequência, do Senado. Se tiver votos, pode reverter o placar. No momento, os operadores de Bolsonaro, meio zonzos, percorrem o salão verde da Câmara à procura de ajuda. Gostariam de realizar a votação no plenário da Casa ainda nesta quinta-feira.
Para virar o jogo, o governo terá de se entender com o centrão. A banda patrimonialista do Congresso ensina a Bolsonaro que ataques ao que o presidente chama de "velha política", muito úteis em campanhas eleitorais, perdem a serventia no instante em que o governo manda para o Congresso os projetos e as emendas constitucionais que prometeu aos eleitores.
POSTADO POR: WILLIAN REDONDO EM 09 DE MAIO DE 2019
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