Renan, tem 32 milhões de motivos para espumar de
raiva
Às favas a lógica com o caso da Polícia Legislativa
do Senado. Sob Renan Calheiros, montou-se nos porões do Poder Legislativo um
departamento de bisbilhotagem. Com verba pública, adquiriram-se equipamentos de
inteligência capazes de fazer e desfazer grampos e escutas ambientais. Às
custas do contribuinte, policiais legislativos foram mobilizados para proteger
senadores suspeitos de assaltar o Estado. Realizaram-se varreduras de escutas em
gabinetes, residências funcionais e imóveis particulares —em Brasília e
alhures. E Renan, em vez de ficar constrangido, está irritado.
Pilhado numa investigação de mostruário —nascida de
uma delação, executada pela Polícia Federal, sob supervisão do Ministério
Público Federal e com a anuência do Poder Judiciário—, o Senado reagiu com uma
nota oficial assinada por seu presidente. Nela, Renan Calheiros defende as
ações de quatro policiais legislativos presos e demarca o seu terreno: “As
instituições, assim como o Senado Federal, devem guardar os limites de suas
atribuições legais.” Beleza. Mas faltou responder: quem zelará pelo interesse
público quando o Senado for utilizado como biombo para ilegalidades?
Depois de emitir a nota, Renan dedicou-se a uma de
suas especialidades: a retaliação. Borrifou ameaças no ar. Fez saber ao
Planalto que não gostou da entrevista na qual o ministro Alexandre Moraes
(Justiça) justificou a operação montada para deter as extrapolações dos
policiais legislativos. E voltou a brandir o projeto que pune os chamados
abusos de autoridade. Renan faz dessa proposta uma espécie de espada multiuso.
Ora espeta os procuradores da força-tarefa da Lava Jato ora cutuca Sergio Moro.
Revela-se capaz de tudo, menos de um autoexame que o faça enxergar seus
próprios abusos.
De repente, numa subversão da lógica, o Planalto
deflagrou uma articulação para acalmar Renan. Coordenador político do governo,
o ministro Geddel Vieira Lima tocou o telefone para o senador. O próprio Michel
Temer adulou Renan com um telefonema. Antes, enquadrou o ministro da Justiça,
convocando-o em pleno sábado para prestar informações sobre a operação em que a
Polícia Federal, munida de cinco mandados judiciais de busca e apreensão e
quatro ordens de prisão, recolheu equipamentos de espionagem do Senado e
prendeu quatro policiais legislativos, entre eles o diretor da Polícia do
Senado, Paulo Ivo Bosco Silva, homem de confiança de Renan.
Num par de telefonemas, o governo Michel Temer
atravessou a Praça dos Três Poderes para se alistar na infantaria que, sob
Renan Calheiros, é acusada de obstruir investigações que alvejam personagens
como Fernando Collor, José Sarney, Edison Lobão Filho e Gleisi Hoffmann. O
Planalto reforça seu alinhamento com Renan num instante em que a Lava Jato arromba
o principal armário do imperador de Alagoas: a Transpetro.
O delator Felipe Rocha Parente, que se apresenta
como entregador de propinas, revela aos investigadores os caminhos que a verba
suja percorreu para migrar da subsidiária da Petrobras para os bolsos de pajés
do PMDB. Estima-se que escoaram por esse duto pelo menos R$ 100 milhões em 12
anos. Desse total, Renam apropriou-se R$ 32 milhões, informou outro delator, o
ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado.
Compreende-se a irritação de Renan. Ele tem 32
milhões de motivos para espumar de raiva. Quem conhece o senador sabe: é nos
instantes em que está for a de si que ele mostra o que tem por dentro. O que
parece incompreensível é o esforço que o governo empreende para demonstar que é
parte do problema. Não há governabilidade que justifique o erro político de
reforçar a impressão de que Renan manda porque pode e o presidente da República
obedece porque tem juízo. Dilma Rousseff mantinha com Lula um relaciomamento do
mesmo tipo. Deu em Michel Temer.