E agora,
Michel?
Ao conspirar
abertamente para destituir a presidente da República da chapa pela qual se
elegeu, Michel Temer destrói a própria biografia. E agora, Michel?
Em tempo: Não sei como alguns têm a coragem em
enfiar Deus e a família, para justificar suas contradições.
E
agora Michel?
“E agora,
José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José? E agora, você?”
O poema “José” foi escrito por Carlos Drummond de
Andrade em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, quando o Brasil vivia sob a
ditadura de Vargas. Nele, o poeta reflete sobre o sentido da vida em tempos de
guerra e diante do conturbado momento histórico nacional. Mostra a angústia,
desalento e a desesperança do homem comum diante daqueles tempos sombrios.
Tal qual José, acredito que todos que acreditam no
Estado Democrático de Direito, vivem hoje um momento de profundo ceticismo e
perplexidade pelos acontecimentos deste domingo.
Acreditamos que a esperança tinha vencido o medo
para descobrir que o cinismo e a canalhice dissimuladas é que prevalecem.
A decisão de ontem implica em retrocessos em termos
políticos, sociais e econômicos para o país e põe em risco a democracia
brasileira.
Foi um golpe parlamentar contra uma presidente
eleita pelo voto popular- que não responde a nenhum processo na Justiça —
perpetrado por uma Câmara dos Deputados onde há 224 deputados que respondem a
algum tipo de processo judicial e que é presidida por um réu indiciado pelo
Supremo Tribunal Federal pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de
dinheiro.
Deplorável o papel do PMDB nesse processo. O vice
presidente Michel Temer conspurcou a própria biografia ao conspirar abertamente
para destituir a presidente da República da chapa pela qual se elegeu.
Como bem lembrou Lula, em vídeo divulgado, falando
sobre Temer : “quem trai um compromisso selado nas urnas não vai sustentar
acordos feitos nas sombras”.
Como Temer fará para administrar o apetite
pantagruélico dos 3/5 dos membros do parlamento, grande parte integrante da
base de apoio ao atual governo, além do PSDB e DEM, PPS e outros mais?
Cabe ao Senado desmontar essa farsa encenada por
vingança do presidente da Câmara Federal com apoio de grandes grupos de mídia e
suas práticas de acusação seletiva.
Acredito, que tanta desfaçatez já tenha até colocado
uma pulga atrás da orelha do Juiz Sérgio Moro, pois se o Eduardo Cunha
conseguiu fazer isso com uma presidente legitimamente eleita pelo povo, creio
que deve achar que o céu é o limite.
Não há prazo definido em lei para a instalação da
comissão especial do Senado que analisará a denúncia, mas creio que diante da
grave polarização política, que desencadeou atos de intolerância e ódio e
manifestações de violência em todo o país, o Senado agirá rapidamente.
Tal e qual na Câmara, a comissão deve emitir um
parecer a favor ou contra a instauração do processo, que será encaminhado ao
plenário para uma votação e só continua se 41 dos 81 senadores concordarem com
ele.
Se for aprovado, o processo é formalmente instaurado
e a presidente é afastada por um período de 180 dias e o vice-presidente Michel
Temer assume o cargo como presidente interino até o encerramento do processo. O
impeachment só será aprovado se dois terços dos senadores (54 dos 81) votarem a
favor.
Acredito que ao analisar o mérito do pedido de
impeachment, o Senado entenderá que a vontade soberana do povo não pode ser
mudada por um impeachment ilegal que afronta a Constituição brasileira.
Voltemos a Drummond e a seu poema “ Mãos Dadas” (
1940):
“Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não
cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos
afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”.