Jornalismo com seriedade: Especialista detona voto de André Mendonça sobre maconha no STF: "Cena constrangedora

sábado, 9 de março de 2024

Especialista detona voto de André Mendonça sobre maconha no STF: "Cena constrangedora

Eduardo Ribeiro, da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, comenta julgamento do Supremo que pode descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal

André Mendonça, o ministro "terrivelmente evangélico" do Supremo Tribunal Federal (STF) indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, apelou à disseminação do pânico e fake news ao votar contra a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal nesta quarta-feira (6). 

A Corte retomou o julgamento, iniciado em 2015 e adiado inúmeras vezes por pedidos de vistas, a partir da análise da constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), baseado em um fato concreto de prisão por porte de 3g de maconha. A votação visa definir se é crime ou não portar drogas para uso pessoal e ainda estabelecer regras que diferenciem um usuário de um traficante.

Até o momento, votaram a favor da descriminalização do porte de maconha para uso pessoal os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e a ministra recém-aposentada Rosa Weber. Já os ministros Cristiano Zanin, Kassio Nunes Marques e André Mendonça votaram contra. O placar está, portanto, 5 a 3 pela descriminalização, mas o julgamento só será retomado em 90 dias, já que o ministro Dias Toffolli pediu vistas. 

Mendonça, em seu voto contrário à descriminalização do porte de maconha, citou supostas pesquisas, sem mencionar as fontes, para gerar pânico sobre o uso de cannabis, repetindo frases de efeito utilizadas há décadas pelos defensores da chamada guerra às drogas. Ele chegou a afirmar que a maconha causa mais danos que o cigarro - informação que é contestada por especialistas - e recorreu à máxima de que a erva seria uma "porta de entrada" para outras drogas. 

"Fumar maconha é o primeiro passo para o precipício", disparou o ministro. 

Em entrevista à Fórum, o especialista em gestão estratégica de políticas públicas Eduardo Ribeiro, cofundador e diretor executivo da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, detonou o voto de André Mendonça.

Segundo Ribeiro, que já foi membro do Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas do Estado da Bahia e que, atualmente, ocupa uma cadeira na representação da sociedade civil no Conselho Nacional de Segurança Pública do estado, o ministro protagonizou uma "cena constrangedora"

"O voto do ministro André Mendonça foi uma cena, acredito, constrangedora do ponto de vista científico de quem está envolvido na pesquisa sobre o tema de drogas. Ele citou alguns professores e depois saiu soltando várias referências sem conseguir apresentar as fontes, reforçando apenas estereótipos a partir de palavras-chave muito dramáticas, que eram suicídio, gravidez, vício, dependência", analisa o especialista. 

Nas palavras de Ribeiro, o ministro, ao votar, utilizou determinados recursos para dar uma "tinta científica" ao tema quando, na verdade, "são dados pouquíssimo confiáveis" e que representam "muito mais estereótipos"

"Muitas fake news utilizadas no voto de um ministro do Supremo. É importante que a gente recupere o tema como vinha sendo abordado até o presente momento, sobretudo no voto do ministro Alexandre de Moraes, que sim, é importante ter dados para definir o que nós compreendemos no tema da política de drogas, mas também não deixar com que isso abra a possibilidade de que qualquer tipo de dado pode ser utilizado, que qualquer tipo de pesquisa é confiável, sobretudo quando não é apresentada as fontes", pontua. 

Citado pelo especialista, o ministro Alexandre de Moraes, ao votar favoravelmente à descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, trouxe dados da Associação Brasileira de Jurimetria apontando que 25% dos presos no país respondem pelo crime de tráfico de drogas. O magistrado sustentou que a maior parte desses presos poderiam ser enquadrados como usuários, se houvesse um critério objetivo. Como não há, vão para cadeia em geral jovens e negros, disse. 

“O STF tem o dever de exigir que a lei seja aplicada identicamente a todos, independentemente de etnia, classe social, renda ou idade”, declarou Moraes. 

Descriminalizar o porte não é legalizar a maconha; entenda o julgamento

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, nesta quarta-feira (6), o julgamento sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio. 

Apesar do julgamento tratar do porte de drogas como um todo, os ministros que votaram a favor da descriminalização o fizeram apenas com relação maconha, exceto Gilmar Mendes. A análise do tema foi iniciada pelo STF em 2015 a partir do julgamento da constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), baseado em um fato concreto de prisão por porte de 3g de maconha. 

O STF, porém, não vai "legalizar a maconha" ao final do julgamento, mesmo se houver mais um voto favorável à descriminalização. Isso porque descriminalizar o porte para consumo pessoal não significa a legalização total, visto que a produção, venda e distribuição de maconha ou de qualquer droga seguem proibidos no Brasil. 

O efeito prático, caso o porte para consumo próprio seja, de fato, descriminalizado, seria apenas impedir que pessoas flagradas portando pequenas quantidades de maconha, desde que comprovado que é para uso pessoal, sejam penalizadas. Atualmente, a Lei de Drogas considera crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo pessoal e prevê penas como prestação de serviços à comunidade.

A interpretação do que é quantidade para "consumo pessoal" e o que configura tráfico, entretanto, é feita, a princípio, pelas polícias, que recorrentemente consideram pretos e pobres como traficantes e pessoas brancas, de classe média ou alta como usuários. O julgamento do STF, portanto, atacaria este cenário e definiria, exatamente, qual a quantidade de droga que pode ser considerada para uso pessoal. 

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