A luta contra as drogas baseada no trabalho, na convivência e na
espiritualidade
Com
o terço nas mãos, Wellington reza JR
Lisboa/ Agência Assembleia
“Depois
do crack, tudo piorou. Eu afundei de vez. O crack foi o começo do fim. Quando
passei pro crack veio a dor e a solidão." É comum o relato de que o crack
– uma droga de efeito rápido e intenso que vem da mistura da pasta-base de
cocaína refinada com bicarbonato de sódio e água – aprisiona, destrói famílias
e acaba com vidas.
Foi
assim para o jovem Arlan da Rocha Nascimento, 26, que conheceu o mundo das
drogas ainda criança, quando tinha apenas 12 anos, época em que bebeu, cheirou
cola, solvente e usou maconha. O crack, para ele, veio no inicio da
adolescência, aos 16. “Só não cheguei a matar, mas eu roubei comércios, pessoas
na rua e a minha própria casa. Cheguei a vender uma televisão dessas de plasma
por 100 reais. Vendi também todas as minhas roupas e só fiquei com a do corpo”,
contou.
Dez
dias preso em uma delegacia seguida de uma forte crise de úlcera fizeram com
que Arlan pensasse em largar o vício pela primeira vez, mas não passou de um
pensamento. Logo que se recuperou, ainda no quarto da UTI, desligou os
equipamentos e furtou da enfermeira um celular e 600 reais. Não sentia
culpa ou remoço de roubar alguém que estava te ajudando? “Eu só sabia usar a
inocência das pessoas pra manipular e conseguir o dinheiro pra comprar a droga,
independente se eu magoaria ou faria sofrer. Não pensava nessas coisas”,
confessou.
Aí,
Arlan nem pra casa voltou. Passou a morar nas ruas. E foram quase três anos
nessa vida. Ele até tentou recuperação em uma fundação no estado do Piauí,
porém, não conseguiu, voltou pras ruas e a recaída foi pior. “Voltei a ficar
fraco de mente e de espírito. Eu sobrevivia comendo lixo e roubando”, disse.
A
história de Wellington da Silva, 33, é um pouco parecida. Por curiosidade, usou
a primeira droga ainda criança, aos 13. Começou com a maconha. Wellington não
só usava, também traficava. Chegou a ser preso quando vingou a morte do irmão,
assassinado durante um latrocínio. “Fiquei sete anos em Pedrinhas, porque matei
o assassino do meu irmão”, contou.
O
crack chegou até Wellington quando a sua avó morreu. “Ela era tudo pra mim. Me
refugiei na droga. Foi nesse tempo que eu passei a conviver com a dor e a
solidão. Fui morar na rua onde cheguei a disputar um resto de cachorro-quente
com um cachorro vira-lata”, desabafou. Foi o mais fundo que ele chegou até que
tomasse a atitude de procurar ajuda.
Não
são só as histórias de Arlan e Wellington que são parecidas. Eles têm algo a
mais em comum. O terço sempre na mão simboliza a fé em Deus de que sairão da
Fazenda da Esperança como novos homens. Limpos e prontos pra recomeçar.
Desde
julho deste ano, na fazenda, Arlan segue firme até hoje na vontade de vencer o
mal das drogas. Carrega consigo a fé de que será um homem recuperado. “Aqui eu
voltei a viver”, disse.
Também
cheio de fé e esperança, Wellington firmemente sabe dizer a data e até a hora
que passou pelo portão . “Foi às 11h45 do dia 24 de julho de 2015 que a minha
vida começou a mudar. Nas ruas, eu sobrevivia a cada dia. Aqui eu voltei a
viver e quando sair quero continuar vivendo”, afirmou.
O
TRIPÉ
Acolhidos
em frente a capela
Fundada
há 2 anos pelo frei Hans, a Fazenda da Esperança Nossa Senhora Graças, que
fica a 18km do município de Caxias, tem como objetivo recuperar dependentes
químicos. Tudo sem medicamentos e nada forçado. Apenas com um modo de viver
baseado no tripé: convivência em família, trabalho como
processo pedagógico e espiritualidade para encontrar um
sentido de vida.
Pra
que isso dê certo, existe uma rotina a ser seguida. Isolados naqueles 42
hectares de extensão, que comporta quatro casas, uma capela, uma padaria, um
refeitório e uma linda e gigantesca área verde, 28 acolhidos dividem as suas
tarefas que começas às 6h30 com a celebração da missa ou com um terço.
Às
7h da manhã seguem para o café da manhã preparado por eles mesmo, dependendo de
quem está escalado para aquela função na semana. Na de agora, por exemplo,
Wellington que estava no comando. E é as 8h que eles saem para os
seus serviços – e não precisa sair da fazendo pra isso. Enquanto um
cozinha, o outro cuida do jardim. Outro da estufa onde fica a horta. Outro dos
porcos e das galinhas. Tem a cerca que está sendo construída pra criação de
gados. Nessa parte, também tem um responsável.
Assim
como em qualquer local de trabalho, eles têm também um intervalo para o
descanso, que é as 9h30. As 10h já retornam para suas atividades rotineiras.
12h é o almoço. 2h retornam ao trabalho e vão até às 5h, que é o horário de
lazer. O dia finaliza com mais oração.
É
com esse modo de vida que os acolhidos vão ocupando suas mentes durante todo o
dia, com simplicidade e na fé de que sairão de lá pessoas renovadas.
DE
USUÁRIO A MISSIONÁRIO
Missionário Rivaldo Brito, o "padrinho", em oração com os acolhidos
Todo
esse roteiro é seguido diariamente de forma disciplinada sob o comando do
“padrinho”, o missionário Rivaldo Brito. Hoje ele é o coordenador-geral da
Casa. Está nessa função porque também já foi usuário há 10 anos quando trabalhou
como sargento no exército. Usou o crack durante três anos e, desde que decidiu
mudar de vida e conseguiu se recuperar, roda pelo Brasil com a missão de ajudar
quem quer se libertar do mundo das drogas. "Larguei tudo e não me
arrependo
Desde
janeiro deste ano está na Fazenda da Esperança de Caxias, onde além de
monitorar as atividades, Rivaldo é quem faz as celebrações e orações para os
acolhidos. “Me sinto com a missão cumprida. Sou feliz e realizado. Se eu tiver
mil vidas, nas mil eu quero ser um missionário”, afirmou.
O
PODER DA FÉ
Dom
Vilson explica como a igreja atua no combate as drogas em Caxias. "Na cura
e na prevenção"
O
bispo de Caxias, dom Vilson Bass, que sempre visita a fazenda e se comprometeu
a fazer o acompanhamento espiritual dos acolhidos, acredita fielmente que a
recuperação é graças a Deus e garante que a fé é o diferencial. “É coisa de
Deus! Eles não usam medicamento algum. O trabalho é feito todo em cima da fé.
Eu tenho plena certeza de que se a recuperação não for com Deus, não funciona”,
garante.
Dom
Vilson fez questão de ressaltar também que além do trabalho curativo na
fazenda, a igreja investe na prevenção das drogas nas comunidades do município
de Caxias. “O que queremos não é apenas curar, é tentar fazer com que esses
jovens e crianças nem comecem, nem cheguem a sentir vontade de usar drogas.
Precisam saber que é possível ser feliz sem bebidas, sem prostituição e sem
drogas. O melhor caminho é a prevenção”, explicou.
Com
tantas histórias encaminhadas para que tudo dê certo, frutos de um
trabalho disciplinado, de amor e de fé, a Fazenda da Esperança Nossa
Senhora das Graças, hoje, é referência no Maranhão e em todo o
país. As portas da frente nunca se fecham. É livre para quem
quer entrar e ficar, assim como para quem desiste e vai embora. "Não é só
um jovem que é recuperado, mas toda a sua família, porque a família sofre
junto, vive todos aqueles momentos ruins, então, quando o dependente se
liberta, a família se liberta junto", assegurou o bispo.
Para
fazer parte do grupo de acolhidos, o interessado deve fazer uma carta contando
um pouco da sua história e explicando por que quer mudar de vida. A carta deve
ser endereçada diretamente para a fazenda, no endereço: Povoado Cruz 2º
distrito, Rua Manoel Gonçalves, 558, Caxias, Maranhão, CEP: 65.600-110 ou
para os e-mail: caxias.m@fazenda.org.br
. Uma carta–reposta será enviada de volta pela Fazenda da Esperança com as
instruções e boas-vindas, caso tenha sido aceito. Atualmente, é só para homens.
A
fazenda também disponibiliza contas para doação: Caixa Econômica (ag: 0028 op:
003 cc: 2013-0) e Banco do Brasil (ag: 0124-4 cc:47.406-3).